Um, dois, três, mil travestis

07:07 Postado por Grupo Bagaceira de Teatro /

Bruno Reis em seu Blog:

Fábrica.
Engenharia. O espetáculo é como o corpo de uma travesti: é possível injetar e tirar coisas. Com ou sem, ela permanece travesti. É possível trocar-lhe a roupa, fazer um desfile de moda em plena rua. Na vida. Na peça também.

Vi o Engenharia Erótica, novo trabalho como diretor e ator de Silvero Pereira ainda mês passado, em abril, lá no Theatro José de Alencar. Assisti a peça novamente em sua estreia no Sesc-Senac, assim como na semana seguinte, pouco depois de fazer a entrevista abaixo junto com a amiga e jornalista Débora Medeiros. Vi três coisas diferentes. Assim como tinha visto dois ou três espetáculos diferentes cada vez assisti o Cabaré da Dama, ainda no ano passado.

E não é só ‘’ser diferente’’. Dessa vontade a cena contemporânea está cheia. Em vários sentidos. Seria mais verdadeiro dizer que fui surpreendido. Todas as vezes, especialmente no Engenharia. E, talvez, por puro preconceito.

Sim, porque assisti o Cabaré anteriormente, e Denis Lacerda, Jomar Carramanhos e Diego Salvador, os atores que se juntam a Silvero já estavam lá. Dublando músicas. Não. Interpretando. Meu deus, não eram travestis. Aliás, eram, mas tão mais que isso, pessoas inteiras. E quem disse que uma travesti é uma pessoa pela metade? Arnaldo Jabor disse, e olha que quase sempre ele fala besteira, mas daquela vez eu parei pra pensar e gostei: o travesti é meio como um centauro, um mito moderno, urbano. Parado na esquina, parece ter quase dois metros de altura – ilusões causadas por um salto quinze bem colocado em pernas quase todas de fora. Finíssimas e fortes, alongando ainda mais a silhueta.

Ele não é uma coisa, nem outra: é duas. Não é uma pessoa pela metade, um andrógino partido ao meio. Tem natureza dupla e as concilia, ou adiministra seu caos. Toma pra si o domínio do próprio destino ao intervir e se apoderar do seu corpo. Não é questão de modificar a própria aparência. Isso todo mundo faz, diariamente, mais ou menos consciente disso. O corpo masculino é uma invenção. O corpo feminino também. Mas só o do travesti talvez seja encantado. Porque é ele que cria, e não a sociedade. E quando falo de corpo, não falo de sexo. Mas também. Não seria por acaso que alguns dos atores tenham se surpreendido com as semelhanças entre seu mundo e o delas. Pouca gente compõe personagem pra estar na rua, sem firulas de performance ou de respaldos conceituais da arte contemporânea. É ter o personagem talhado na carne. E esse espetáculo é feito disso. De carne. Dilacerada, esticada, inflada, repuxada, retorcida. Mas quase sem peso. Aliás, com o peso de um salto quinze, os pés quase sem tocar o chão.

Engenharia Erótica: Fábrica de Travestis está em cartaz todas as quintas-feiras de maio, às 20h, no SESC Iracema (Rua Boris, 90. Próximo ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura). Mais fotos do espetáculo, por Lara Vasconcelos Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Entrevista completa vejam no blog: http://www.iguatuonline.blogspot.com/

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